top of page
  • Writer's pictureAna Clara Thomaz

Professora da UFRJ fala sobre o fazer jornalístico e Fake News

Doutora em Comunicação e Cultura e Professora Associada do Departamento de Expressão e Linguagens da ECO, Cristina Rego Monteiro da Luz, faz um esquenta com o FIL para a continuação da Live "Fake News para Novos Públicos (Live de perguntas e respostas)", 29/03, segunda-feira às 19h.

Atualmente, vivemos uma fase de fortes mudanças no jornalismo. Com essas mudanças, a grade curricular das faculdades também pode sofrer alterações para se atualizar. Você acredita que seja necessário a criação de matérias acerca de Fake News?


As boas universidades introduziram o assunto antes mesmo da explosão de denúncias de grupos políticos/ideológicos a respeito das Fake News. Na ECO, componho o NDE de Jornalismo, o Núcleo de professores responsáveis pela nova grade curricular do Curso de Jornalismo da UFRJ. Temos consciência do desafio que representa manter a qualidade da formação humanista que nossa Escola sempre priorizou, atualizando permanentemente o curso de maneira que os alunos estejam preparados para trabalharem bem com as tecnologias e métodos, corporativos ou inovadores, que a atividade desenvolve, em constante mutação. Trata-se de buscar então uma base sólida de valores, abordar a ética profissional, o lugar do jornalista na sociedade, o uso responsável da palavra, o pensamento autônomo. A percepção de que é necessário ter matérias especificamente a respeito de Fake News segue a mesma lógica analógica e segmentada que alimenta uma visão de produtos fragmentados sendo disponibilizados, ou eliminados, do panorama do mercado jornalístico. Reduzir as notícias falsas, tendenciosas ou produzidas com tendenciosidade proposital a um produto identificável para poder ser extirpado ou evitado, como um tumor que pode ser retirado sem se levar em consideração o que no organismo provocou esse tumor ((lembrando que as Fake News, como os tumores, não aparecem do nada de repente) é não ver o tamanho real do problema. Não se trata de algo recortável, é uma insidiosa permissividade de descompromisso com a verdade, de descompromisso com a correção, com a checagem de dados. É uma deterioração de valores humanos, uma evidência de formação inadequada, que levou a práticas consideradas normais. À uma falta de senso crítico, à falta de responsabilidade em relação ao lugar do bom jornalismo. Hoje (terça, 23 de março) recebi uma mensagem nas minhas redes sociais com o vídeo de um rapaz que carregou a sogra no colo para tomar vacina contra o Covid porque ela havia feito uma cirurgia no quadril. Ele fez um vídeo para denunciar a falsa informação publicada no Jornal Extra: “Idosos passam mal na fila de vacina em Duque de Caxias”. Ele ficou indignado, e gravou o vídeo e postou porque considerou uma covardia a publicação da foto deturpando a realidade “É só pra esclarecer porque o trabalho está sendo feito, e quando funciona as pessoas criticam”, diz na gravação, com a sogra sentada a seu lado. Trata-se de uma irresponsabilidade editorial – que pode ter partido tanto do jornalista quanto da empresa. Muitas vezes acontece mesmo da empresa mandar um fotógrafo ou um motorista, sem jornalista, para cobrir um acontecimento, capturando ao menos as imagens – isso pode gerar resultados nefastos, e minar a credibilidade da imprensa como um todo. O público não distingue o repórter e seu desempenho da atuação editorial da empresa. E mesmo que infelizmente haja muitos casos de irresponsabilidade profissional de jornalistas, ou de pessoas atuando como tal, o principal problema está nas empresas. A forma como conduzem a apuração, a falta de checagem antes de publicar, ou, o que é ainda pior, publicarem reportagens propositalmente direcionadas. Aproveitarem a inaceitável revogação da exigência dos diplomas para ter estagiários ou pessoas despreparadas para atuarem como jornalistas profissionais qualificados – mas mais baratos. Não viram que era um tiro no pé institucional à médio prazo. Então não se trata de ter uma disciplina na universidade tendo como ementa Fake News. Trata-se de uma necessária chamada à razão para o lugar do jornalismo como uma atividade essencialmente ética, com muitas exigências técnicas – domínio da linguagem (textual, imagética, simbólica) e das tecnologias que a prática exige, novas a cada dia.


Cris, você tem uma carreira longa no jornalismo, tendo trabalhado não só no meio acadêmico, mas também no profissional, como repórter, apresentadora, assessora de imprensa, dentre outros cargos. Você acredita que a propagação de Fake News é um problema que surgiu nos últimos anos?


Creio que a pergunta está respondida. Mas posso dizer que se a falta de rigor com a veracidade de dados sempre existiu, nunca tivemos uma capitulação dos limites entre os campos do jornalismo e a publicidade e propaganda como temos agora. Ressalvando-se aqui a existência de publicitários com rigor ético e da propaganda política responsável. As dificuldades de interpretação de leitura das fronteiras entre as redações e os departamentos de marketing sempre existiram, na medida do tamanho dos interesses da empresa. Quanto maior a empresa, mais conflito de interesse. É só observarmos agora como os grandes conglomerados financeiros lidam com empresas de diversas áreas de atividade, que também possuem grupos voltados para a produção de mídia. Que conglomerado colocará na primeira página de seus poderosos jornais, sites ou TVs uma denúncia gravíssima contra uma empresa de entretenimento que pertença aos mesmos acionistas do grupo proprietário de todas?


Atualmente, nas redes sociais observa-se uma certa “ganância” de certos jornalistas em obter o furo de reportagem, além de exigirem créditos de outros veículos por ter noticiado primeiramente a informação. Qual a sua opinião sobre isso? E vale arriscar dar uma 'barrigada' por um furo?


Hoje isso não faz o menor sentido. É uma prova da resiliência da vaidade. Uma tentativa de manter valores que se perderam no desenvolvimento das tecnologias digitais. O furo será daquele que estiver mais próximo com um celular na mão. E nada vale bancar uma inverdade.


Nas aulas de jornalismo geralmente são mostrados exemplos de coberturas, reportagens jornalísticas como algo a não ser seguido. Mas, vamos inverter essa tradição acadêmica: para você, há alguns exemplos de reportagens, de coberturas e até de jornalistas que devem ser seguidos, por conta de sua responsabilidade na hora de passar a informação? Quais?


Os jornalistas que prezam seu próprio nome e o sonho que os levou a assumir na vida essa atividade profissional fazem-se conhecer pela integridade com que atuam. Estão em todas as áreas, felizmente. Há uma área de atuação, no entanto, que congrega muitos desses profissionais preocupados com a correta conduta na atividade – são os jornalistas investigativos. Alguns fundaram até uma Associação, a ABRAJI. Um pleonasmo (porque todo jornalista deve ser um investigador) que só passou a existir porque muitos não cumprem esse quesito básico nas suas práticas diárias – investigar, checar, comprovar o que apuram antes de publicar. Infelizmente.


Para fechar a nossa entrevista: o que deve ser ensinado não só aos jornalistas, mas também ao público para evitar a propagação de Fake News?


Não sei se isso pode ser ensinado, mas certamente pode ser exemplificado, indicado, exigido, demonstrado. Algumas dicas, como observar quem assina as informações (e averiguar), quais são as fontes citadas – sejam instituições sejam pessoas. Mas essa dica pode ser contornada com distorções de dados. Cada um deve ser responsável pelo que consome, pelo que diz, pelo que divulga, e para isso é necessário checarmos as informações que passamos adiante. Trata-se de uma disciplina pessoal, cuja importância vem crescendo muito, porque o repasse descompromissado serve aqueles que se aproveitam desse descompromisso para gerar instabilidade social ou para plantar ideias falsas na cabeça de grande número de pessoas. Algumas vezes eu mesma fui chamada atenção por amigos jornalistas em relação a postagens que repassei descuidadamente nas redes sociais, que tinham aparência de verdadeiras. Nesse caso, devemos providenciar apagá-las. Esse é o perigo: nada parece mais com a verdade do que a mentira. E é a respeito disso que estamos todo esse tempo falando: a importância de nos comprometermos com a Verdade.


Perguntas elaboradas por: Zé Mário Ferraz

159 views0 comments
bottom of page