Bom filho à casa torna: uma crônica sobre a odisseia
- ana salles
- 4 hours ago
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No título “Odisseia de um Pinheiro”, a primeira palavra me saltou aos olhos. Uma coincidência espirituosa. Metalinguagem para os linguistas de plantão. Odisseia é uma viagem rara, cheia de experiências, coisa épica. E foi assim que senti a obra. Afinal, sentar para ver uma ópera esperando senhores engravatados e dar de cara com crianças de uniforme escolar… Que tamanha singularidade!
A história é sobre um pinheiro indeciso. Ele quer escolher onde se fixar, mas não consegue decidir. Então viaja para descobrir suas raízes. Passa por países, conhece árvores de todos os tipos e tenta se adaptar a cada clima. Conheceu mais árvores do que eu conheço de primos. E olha que minha família é grande.
A peça era extremamente lúdica. Uma ópera em francês cantada por duzentas crianças de escolas municipais, com uma encenação à frente do coro e uma projeção ao fundo. As crianças do coro não apenas cantaram, também atuaram. Respondiam em uníssono como um bom coro, interpretando as árvores que o pinheiro conhecia.
No final, me senti numa regressão ao passado. Lembrei das vezes em que eu apresentava uma peça e, quando terminava, logo procurava minha família na plateia para mandar beijos. As crianças fizeram o mesmo. Assim que os aplausos cessaram, começaram a se esticar nas pontas dos pés para acenar para os pais. Ao meu redor, não havia um que não correspondesse. Todos mandavam beijinhos e corações.
Entre aplausos e gritos de “oi, mãe!”, a plateia virou um coro pedindo bis. E conseguiram. Cantaram novamente “O Conto da Seringueira”, que foi a minha favorita.
Mas as histórias mais curiosas não ficaram só no palco. Conversando com mães, pais, avós, tios, periquitos e papagaios, conheci Zélia, mãe do Luís Carlos. Ela contou que as crianças estavam se preparando desde o começo do ano. Dez meses de ensaio e expectativa. Falou da emoção de ver o resultado e do orgulho de ver crianças de escolas públicas ocupando o palco com tanto talento. Nossa conversa, porém, foi interrompida quando uma multidão de pequenos artistas saiu das coxias. O público inteiro parou para achar seus filhos e abraçá-los.
Antes da peça, no banheiro-fonte universal de informações-perguntei a um grupo de mulheres quem elas tinham vindo assistir. Bethânia respondeu rapidamente, com um largo sorriso. Estava ali para ver a neta, Maria Isabel. Contou que a menina vinha de uma família de artistas: pai, mãe e irmã, todos da arte. A própria Bethânia, quando jovem, também cantava. Perguntei o que Isabel faria na peça e ela respondeu que a neta havia deixado isso como uma surpresa. Como uma pessoa muito curiosa, esperei que um sexto sentido me mostrasse quem era a neta na peça. Na saída, encontrei Bethânia de novo. Ainda sorrindo, contou que a neta cantou.
Esses momentos de acenar para a família, preparar surpresas e encontrar os rostos queridos depois da cortina fechar dão sentido ao final da história do pinheiro. Para quem gosta de spoiler, o pinheiro decide voltar para casa. E não por falta de opções, mas pela familiaridade que traz conforto. Assim como ele, quando as cortinas se fecham, as crianças também voltam ao seu lugar de descanso. Para seu lar. A família.
Texto por: Maria Clara Nadai, estudante de jornalismo da UFRJ e observadora FIL.
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